Entre prédios e tormentos

por Babi Stein

Toda manhã é igual. Acordar, reclamar do despertador. Tomar café e reclamar de seu gosto forte (nunca acerto a medida). Arrumar-se para sair e reclamar do frio. Esperar o ônibus para reclamar justamente disso. Entrar no ônibus e reclamar de sua lotação. Até aqui, hoje foi como sempre. A partir daqui, tudo mudou.

Enquanto me preparo para reclamar da curva que o ônibus faz que quase me leva ao chão, sou calada assim que a executa pelo mais belo dos espetáculos. Entre os pequenos prédios de um bairro simples, o sol começa a surgir com toda a pompa, transformando o céu numa tela de artista e meus olhos nos mais admirados espectadores. Em uma manhã de tantos resmungos trazidos por meus lábios, permito-lhes um sorriso, e à minha mente já não permito nada: pensamento algum vai atrapalhar meu deleite. O ônibus dobra na outra rua e acordo do transe. Ainda estou sorrindo.

Passo a zombar daqueles que ainda estão em suas casas dormindo por perderem toda essa beleza. Olho para os meus colegas de ônibus para talvez rirmos juntos daqueles que antes tínhamos inveja e me surpreendo com a decepção que me trazem por perderem também esse momento. Como aquela luz não lhes pegou?! Olho na direção de seus olhos e vejo que outra luz lhes preenche a visão, enquanto soltam seus dedos frenéticos pela tela, que é a fonte da luz. Também eles perderam o encontro do sol e do céu, mas deles não sou capaz de rir.  

Escravos de smartphones, encarcerados em si mesmos, condenados a não ver a luz do dia. Este sim parece ser um mundo merecido de reclamação.