segunda-feira, 9 de maio de 2016

Os Crimes de Responsabilidade e o Processo de Impeachment: A Oposição Versus Base



por Adriano S. M.



            Estamos em tempos difíceis no Brasil: crise política, crise econômica, escândalos de corrupção, propinas, desvio de dinheiro e também o processo de cassação do mandato da Presidente Dilma Rousseff, o famoso impeachment. Todos estão sabendo sobre o processo de impeachment da Dilma, porém poucos sabem o porquê de estarem querendo cassar seu mandato. As pessoas saem para a rua gritando palavras de ordem e organizando manifestações para a saída da Presidente, mas pouco se vê do porquê. Alguns apoiam que ela está envolvida nos escândalos de corrupção, porém não foi possível se confirmar nada por causa do foro privilegiado, que é uma proteção jurídica para cargos de importância no governo, o que acontece tanto no caso da Presidente Dilma como no caso do Vice-presidente Michel Temer e de outros cargos importantes, tais como Ministérios e Senados e outros.

            Os crimes de responsabilidade de que a Presidente Dilma é acusada são infrações de cunho político e administrativo durante o desempenho da função presidencial, sendo tais infrações previstas na lei federal. É estabelecido como crime de responsabilidade qualquer conduta que vá contra a Constituição e, em especial, contra a existência da União; ou seja, o conjunto de Estados e Municípios que formam o país; condutas contra o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a integridade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e condutas contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais. É notado que tais definições não abrangem todos os detalhes, mas são uma exemplificação, podendo se aplicar a qualquer conduta que se encaixe nas definições de crime de responsabilidade, desde que haja uma definição legal, por meio de uma lei federal.

            O processo de cassação de mandato de um Presidente da República é dividido em diversas partes: primeiro, o Presidente da Câmara dos Deputados deve decidir se usa uma das acusações contra o Presidente para a abertura do processo; após é instalada uma comissão especial para analisar o pedido, fazendo parte dele Deputados de todos os partidos; em seguida, com a comissão instalada, o Presidente da República tem o prazo de dez sessões para se manifestar; após a defesa ter se manifestado, a comissão tem cinco sessões para votar se o processo é aberto ou não; independente do resultado, é encaminhado para o plenário o parecer; em seguida é lido o parecer no plenário, sendo então publicado no Diário Oficial da Câmara; já no plenário, o processo é aberto se dois terços dos deputados (513 atualmente) votarem a favor, chamado assim de maioria qualificada. A sessão tem por tempo de duração 3 dias e cada Deputado pode se manifestar de acordo com sua posição em relação ao processo; após a votação dos deputados, o processo é encaminhado para o Senado, onde será avaliado; é instalada uma comissão especial entre os Senadores para analisar a denúncia; a comissão não tem prazo definido por lei para ser instalada; após instalada, a comissão deve eleger um presidente e um relator; o processo então é votado para a aprovação de sua abertura e, se aprovado, o processo é instaurado de maneira formal, sendo necessária a maioria simples de votos para aprovação, ou seja, metade dos votos mais um dos Senadores presentes; sendo aprovado, o Presidente é afastado da exerção do cargo e o Vice-presidente assume como Presidente interino até se encerrar o processo; o Presidente afastado tem um prazo de 20 dias para apresentar defesa; após o afastamento do Presidente, o Supremo Tribunal Federal assume o processo e inicia interrogatórios e apresenta provas; o Presidente pode ser ouvido pelos Senadores, porém não é necessariamente obrigatório. Não há prazo definido para essa fase, porém o processo não pode durar mais que 180 dias. Ao final, a defesa e a acusação apresentam suas alegações finais em 15 dias; em seguida, é passado para a votação final no Senado, onde, para se iniciar a sessão, é necessária a maioria absoluta, ou seja, metade dos membros do Senado; sendo assim iniciada a sessão, é passado para a votação de aprovação do processo, onde a maioria qualificada, ou seja, dois terços dos votos dos Senadores, é necessária para a aprovação; por final, se aprovado, o Presidente é condenado, sendo assim destituído do cargo e inabilitado de exercer qualquer função pública por oito anos e assume o Vice-presidente; porém, se não for aprovado, o Presidente é absolvido e o afastamento é revogado, reassumindo assim seu mandato.

Dilma é acusada de cometer pedaladas fiscais, mas o que são essas “pedaladas fiscais”? As pedaladas fiscais acontecem quando o governo atrasa de propósito o repasse de dinheiro para os bancos públicos, porém os bancos precisam fazer os pagamentos de empresas e pessoas em dia, e o faziam mesmo sem receber o dinheiro do governo. Essa ação é uma maneira indireta do governo de conseguir mais tempo para desembolsos e, assim, evitar ficar no vermelho. As pedaladas são um fato admitido pelo próprio governo federal. A administração atual do governo se defende dizendo que tal manobra não é ilegal e muito menos inédita. Os dois Presidentes anteriores, Lula e Fernando Henrique Cardoso, também cometeram as pedaladas fiscais, argumenta o governo. Para outros, o governo não obteve crédito formal dos bancos, portanto estaria isento de qualquer punição legal.

Nesse ponto que entram os debates e as polêmicas. Pedalada fiscal é crime? O atraso no pagamento aos bancos configura uma operação de crédito, ainda que informal?  Segundo alguns especialistas em contas públicas, ao atrasar o pagamento das contas, o governo usou os bancos públicos para se financiar, o que seria um crime segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em uma entrevista, Carlos Velloso, Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), diz: “As pedaladas fiscais constituem, sim, crime de responsabilidade contra a lei orçamentária. Essas pedaladas fiscais, usadas abusivamente pelos Estados, é que levaram à falência a maioria dos bancos estaduais. A Lei de Responsabilidade Fiscal, em boa hora, acabou com a ‘farra orçamentária’, tipificando-a como crime de responsabilidade. Ora, o fato de governos anteriores terem praticado pedaladas fiscais não exclui a culpabilidade do governo que foi autuado. Convém explicar que o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) esclareceu que, nos governos anteriores, teria havido simplesmente pequenos atrasos nos repasses. Agora, no governo Dilma, as pedaladas chegaram a bilhões de reais, o que foi atestado pelo TCU. Nenhum governante está livre de punições, no caso da prática de crimes, seja crime de responsabilidade, seja crime comum. A impunidade dos maiores leva à impunidade geral. Se o Presidente da República age mal, comete delitos, se omite e deixa que subordinados seus pratiquem delitos, o servidor na ponta inferior não vai se comportar bem. Instala-se, então, a algazarra, o caos administrativo, a corrupção se expande, as instituições públicas desgastam-se e perdem credibilidade”. Raul Velloso, especialista em contas públicas, diz que: “A Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe que os bancos públicos financiem seus acionistas controladores e, diante dos dados que foram revelados – mostrando um aumento excessivo dos atrasos de pagamentos do governo aos bancos sociais e que se intensificaram assustadoramente nos últimos anos –, não há como não interpretar que os bancos estavam ali financiando o acionista controlador. A meu ver, isso só não seria o caso se fosse algo eventual e de pequena importância, justificado por dificuldades operacionais. Mas quando o valor adquiriu os valores que se veem e tem a ligação inescapável com a proximidade de uma eleição, não tem como interpretar de outra forma. Funcionou como se fosse um empréstimo”. Cezar Britto, Ex-presidente da OAB, apoia o governo dizendo: “Não, não considero as pedaladas fiscais como crime de responsabilidade. O pedido de impeachment trata das pedaladas de 2015 – e elas não foram julgadas ainda. Nem as de 2014, pelo Congresso, e nem as de 2015, pelo Tribunal de Contas da União, foram julgadas. Não se pode considerar ilegal aquilo que ainda não foi julgado ilegal. Se o impeachment se concretizasse, não só o Vice-presidente deveria sair como vários governantes de estado que se utilizaram da mesma camisa para ajuste de contas. Não há crime de pequena ou grande importância quando se refere ao que se consideraria responsabilidade. Ou é crime ou não é. Na minha avaliação, não é”. Pedro Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional na PUC-SP diz que: “Não há ilegalidade na pedalada fiscal. Haveria se ela fosse uma operação de crédito entre os bancos públicos e o governo federal, mas isso não aconteceu. Atraso no pagamento não pode ser considerado um empréstimo. Se, por exemplo, atraso o pagamento de uma conta de luz, não tomei crédito com a Eletropaulo (concessionária que distribui energia elétrica em São Paulo). É apenas um atraso. Além disso, não há dolo na conduta do governo. Essa manobra contábil foi feita com pareceres técnicos. Não tenho a menor dúvida de que foi criado um discurso para justificar uma necessidade política de se tirar a Presidente do poder. O impeachment é um instrumento que não deve ser usado para satisfazer uma vontade puramente política”. Mariel Marley Marra, advogado e autor do pedido de impeachment do Vice-presidente Michel Temer, diz: “Dizer que outros governos faziam as pedaladas fiscais não ameniza em nada a situação atual. Erros do passado não justificam os erros de agora. Não podemos ter uma indignação seletiva e nem aplicar a lei somente nos casos em que os efeitos forem nocivos para a sociedade. A lei é lei. Agora, sobre a questão das pedaladas fiscais, formalmente, os atrasos funcionam como um empréstimo. Podemos argumentar também que essa operação de crédito foi prejudicial à nação porque foram apresentados dados que não condiziam com a realidade”. Mansueto Almeida, especialista na área de contas públicas e ex-coordenador-geral de política monetária e financeira no Ministério da Fazenda, diz: “O BNDES colocava os valores devidos pelo governo como ‘crédito a receber do Tesouro’ e cobrava juros. Oras, se ele colocava como ‘créditos a receber’ e cobrava juros, é porque ele estava financiando o Tesouro. O mesmo aconteceu com o Banco do Brasil e a Caixa. Isso é contra o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que fala que é vedado ao Tesouro ser financiado por bancos que ele controla. Sempre aconteceu, mas em uma magnitude muito pequena. Uma coisa é você ficar eventualmente negativo, é justificável. Mas ficar consistentemente e os valores aumentarem, fica de forma muito clara uma coisa planejada. Estou falando do ponto de vista econômico. Não saberia dizer se poderia fundamentar um processo de impeachment”.



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